A linguagem II

13 outubro, 2010

Antes de mais, uma vez mais as minhas desculpas. Sempre que começo um ano, as coisas acabam sempre atribuladas. Vá se lá saber porquê.
Hoje vou continuar o post anterior da linguagem. O que tinha referido maioritariamente era o tom coloquial. O que vou fazer é algo semelhante a uma demonstração. Isto não é regra, nem a forma como eu escrevo de nenhum pro. É apenas um exemplo.

Sob uma forma mais formal:
– Basta! Cessai essa gritaria infernal duma vez por todas! – berrou, mas depressa se arrependeu com a tontura que precedeu ao abuso das cordas vocais. Mas surtiu efeito o curto esforço e todas as vozes cessaram, deixando que o som de passos aproximando-se superassem o silêncio. Marcus ergueu a cabeça lentamente e encarou o chefe do exército lusitano.
- Saudações, dux Viriato. – cumprimentou Marcus. O homem alto, de cabelos castanhos deslavados do sol, ligeiramente longos, e barba pomposa e encaracolada de guerreiro, que o observava apenas de alguns passos, inclinou a cabeça respeitosamente e não moveu mais um músculo. Marcus estendeu o braço fraco, mas que, à vista de qualquer um, fraqueza não haveria, e, com um sorriso de meio lado, ambos os homens cumprimentaram-se como guerreiros que eram.
– Viagem longa deduzo? – perguntou Viriato. Marcus anuiu silenciosamente. – Não pareces bem.
– Algum maldito vírus, provavelmente. A ceia foi-se, a força é pouca.
– Que notícias trazes?
– Antoninus Pius ordenou o cônsul para preparar as legiões para avançar em uns meses. – ele franziu o sobrolho. – Continuareis aqui, teimosos lusos?
Viriato cruzou os braços à afronte típica de Marcus e respondeu como sempre respondia.
– Assim somos - lusos, teimosos. Mas pela liberdade.

Sob uma forma mais informal:
Então, com quem vais? – perguntou curiosa. Com ninguém, pelo menos que eu saiba. – encolhi os ombros sem interesse. – Mas vou na mesma, para ver como se sai a imaginação das pessoas. – ri-me só de pensar. Então e o Eric Larson?
Olhei para ela, uma sobrancelha levantada com descrença.
Estás a gozar? Pois, como se não tivesses notado os olhos dele colados constantemente em ti durante todo o dia! – resmungou ela.
Como assim? – questionei, confusa. – O que queres dizer? Quero dizer, - disse ela, exasperada como se estivesse a responder aos constantes “porquês” de uma criança. – que tu és a pessoa mais distraída que eu conheço. – suspirou pesadamente. – Ele passou o tempo todo a olhar para ti. Ok, pronto, discretamente. Acho que mais ninguém deu conta. – disse ela, após me ver a fulminá-la com os olhos. Muito estranho, tendo em conta o seu comportamento ontem e durante hoje para comigo. – comentei, com ligeira irritação.

Embora cada uma das narrações seja diferente em termos de narrador, o primeiro funcionaria de igual maneira que o segundo, bastando colocar esse narrador na cena.
De todas as maneiras aquilo que quero apontar é as idiossincrasias do narrador. Isto é, imaginem as coisas da seguinte maneira:
A mesma pessoa, por exemplo, um adolescente, terá uma conversa com um amigo e posteriormente fará um discurso. Claro está que a gíria dependerá de cada situação. É nesse aspecto que se deve ter maior atenção. Óbvio também no uso de palavras, dependendo do público alvo.

Excerto II

06 outubro, 2010
Como estou um pouco desorientada com o meu livro deixo-vos um primeiro excerto do princípio (porque é por aí que se começa). Espero que gostem. Estou neste momento a esganar a minha musa (uh, neste caso um) para que me deixe saber o que raio está a acontecer com a Holly.

Gabriel sonhara muito durante a noite, de isso ele tinha a certeza. Com o quê, ao certo, não se recordava. Mas ao acordar, Gabriel levantara-se com uma ideia fixa. Talvez fosse ridícula, talvez até fosse uma ideia louca e descabida. Mas se resultasse, Gabriel resolveria, provavelmente, mais do que um problema de uma vez só.
Vestindo um dos roupões que estava pendurado no guarda-fatos do quarto, para uso dos hóspedes, Gabriel dirigiu-se ao seu quarto. Ao bater suavemente com os nós dos dedos sobre a madeira, a voz de Milly respondeu-lhe do outro lado, fazendo-o franzir o sobrolho.
 Gabriel entrou silenciosamente e, ao olhar em direcção à porta da casa de banho privada, compreendeu porque razão Milly se encontrava ali. A face que o enfrentou não se comparava à do dia anterior. Embora a mesma, era agora rosada, os cabelos caramelizados e húmidos emoldurando subtilmente as curvas do rosto longo e acentuando a cor achocolatada dos olhos, onde pequenas mechas azuis brilhavam. Gabriel sugou um fôlego. A forma como o vestido branco assentava sobre as curvas de Karen fê-lo engolir em seco. Talvez, agora, a sua ideia afinal não fosse tão louca. Apenas…indecente.
Ele pigarreou, e viu os olhos que o observavam silenciosamente varrerem o seu corpo num instante. A rapariga cobriu os olhos com os dedos, um tom carmesim cobrindo as suas faces escondidas. Foi só apenas quando Milly saiu da casa de banho tossindo deliberadamente, carregando toalhas brancas húmidas e as vestes imundas e coçadas da rapariga, que Gabriel se apercebeu que envergava apenas um robe sobre a sua roupa interior à frente de duas senhoras. Milly estava mais do que habituada a vê-lo alardear-se pela casa em mínimas vestes. Mas os olhos inocentes de Karen não necessitavam de serem feridos com tal parada.
– Perdão. – desculpou-se Gabriel, tendo a consideração de se mostrar embaraçado. – Pensei que estivessem na cozinha. Vim apenas tomar um duche.
– Faz-te à tua vida rapaz. – disse Milly agarrando o braço de Karen, que ainda escondia a face por entre as mãos. – Vou dar o pequeno-almoço a esta tagarela.
Gabriel ergueu as sobrancelhas.
– Tagarela?
– Oh, sim. Esta menina fala pelos cotovelos, acredita.
– Não creio ser testemunha disso. – disse ele, com leve divertimento observando-a a arrastar consigo pela mão a pequena criatura.
– Vais ver. – prometeu Milly, fechando a porta depois de sair. Gabriel inspirou profundamente. O doce sabor de caramelo pairava no ar, uma fragrância que fazia crescer água na boca. Ele estremeceu e abanou a cabeça inclementemente. Gabriel tinha a certeza absoluta de que Milly o iria censurar pela sua decisão. Mas que podia ele fazer? Ele não desejava mandar a rapariga de volta para de onde viera, não depois de ter visto o terror que isso lhe provocava. Mas se não a mandava embora o único que via como solução era mantê-la consigo. E para isso só havia uma forma de o fazer.

Narração

03 outubro, 2010
De volta e munida já de computador vou falar de narração. A maioria de nós aprende três modos de narrador numa história. Contudo existem mais facetas que nem sempre são tão comuns e abordadas em aulas.
Podemos criar uma narração sob qualquer ponto de vista:
  • Em primeira pessoa - Embora eu tenha ouvido dizer muito que para se começar a escrever este modo seja o melhor na verdade não sou apologética de que seja o mais simples. Muito pelo contrário. Enquanto que com um narrador heterodiegético uma quantidade de coisas que sejam inerentes às personagens possam escapulir à narrativa sem esta perder partes essenciais que deixem buracos, com uma narrador em primeira pessoa, a personagem tem uma experiência directa em autodiegético e homodiegético. O modo mais comum é homodiegético, daí se tornar complexo escrever como uma personagem. É necessário conhecer todas as idiossincrasias da personagem.
  • Em segunda pessoa - É tão raro encontrar alguém que proporcione esta experiência, para não falar de que é absolutamente estranho ler desta maneira. É todavia curioso tentar.
  • Em terceira pessoa - A mais comum que tenho em biblioteca, providencia uma possibilidade de uma narração com mais variados pontos de vista sem trazer tantos encargos como traz na primeira pessoa. É a melhor forma de começar, especialmente em heterodiegético.

Essencialmente aquilo que se quer abordar é a forma como o narrador se comporta.
Tal como descrito na Wikipédia, existem seis tipos de focalização por parte do narrador.
  • Omnisciente: colocado numa posição de transcendência, o narrador mostra conhecer toda a história, manipula o tempo, invade o interior das personagens.
    Interna: o narrador adopta o ponto de vista de uma ou mais personagens, daí resultando uma diminuição de conhecimento.
    Externa: o conhecimento do narrador limita-se ao que é observável do exterior.
    Neutra: O narrador não expõe seu ponto de vista (este modo não existe na prática, apenas na teoria).
    Restritiva: A visão dos factos dá -se através do ponto de vista de alguma personagem.
    Interventiva: O autor faz observações sobre as personagens.
Alguns exemplos bons:

 A série de Keri Arthur, Riley Jenson Guardian é narrada em primeira pessoa pela própria protagonista. É possível vermos o tipo de personagem que é pela narração e a forma como vai mudando ao longo da história. A Chrisitne Feehan, por exemplo, já narra as histórias em terceira pessoa e com um narrador heterodiegético. Embora o narrador seja ausente, existe sempre um insight das personagens e dos seus pensamentos, uma vez que a narração é interna.